Ganhei um livro da Martha Medeiros.
Alguns textos tenho gostado muito.
Entre eles, este abaixo.
"Eu estava dentro do carro em frente à escola da minha filha, aguardando a aula
dela terminar. A rua é bastante congestionada no final da manhã. Foi então que
uma mulher chegou e começou a manobrar para estacionar o seu carro numa vaga
ainda livre. Reparei que seu carro era grande para o tamanho da vaga, mas, vá
saber, talvez ela fosse craque em baliza.
Tentou entrar de ré, não conseguiu. Tentou de novo, e de novo não conseguiu. E
de novo. E de novo. Por pouco não raspou a lataria do carro da frente, e deu
umas batidinhas no de trás que eu vi. Não fazia calor, mas ela suava, passava a
mão na testa, ou seja, estava entregando a alma para tentar acomodar sua
caminhonete numa vaga que, visivelmente, não servia. Ou, se servisse, haveria
de deixá-la entalada e com muita dificuldade de sair dali depois. Pensei: como
é difícil admitir um fracasso e partir para outra.
Para quem está de fora, é mais fácil perceber quando uma insistência vai dar em
nada – e já não estou falando apenas em estacionar carros em vagas minúsculas,
mas em situações variadas em que o “de novo, de novo, de novo” só consegue
fazer com que a pessoa perca tempo. Tudo conspira contra, mas a criatura teima
na perseguição do seu intento, pois não é do seu feitio fracassar.
Ora, seria do feitio de quem?
Todas as nossas iniciativas pressupõem um resultado favorável. Ninguém entra de
antemão numa fria: acreditamos que nossas atitudes serão compreendidas, que
nosso trabalho trará bom resultado, que nossos esforços serão valorizados. Só
que às vezes não são. E nem é por maldade alheia, simplesmente a gente
dimensionou mal o tamanho do desafio. Achamos que daríamos conta, e não demos.
Tentamos, e não rolou. “De novo!”, ordenamos a nós mesmos – e, ok, até vale
insistir um pouquinho.
Só que nada. Outra vez, e nada. Até quando perseverar? No fundo, intuímos
rapidinho que algo não vai dar certo, mas é incômodo reconhecer um fracasso,
ainda mais hoje em dia, em que o sucesso anda sendo superfaturado por todo
mundo. Só eu vou me dar mal? Nada disso. De novo!
De-sis-ta. É a melhor coisa que se pode fazer quando não se consegue encaixar
um sonho em um lugar determinado. Se nada de positivo vem desse empenho todo,
reconheça: você fez uma escolha errada.
Aprender alemão talvez não seja para
sua cachola. Entrar naquela saia vai ser impossível. Seu namorado não vai
deixar de ser mulherengo, está no genoma dele. Você irá partir para a oitava
tentativa de fertilização?
Adote. E em vez de alemão, tente aprender espanhol. Troque a saia apertada por
um vestido soltinho. Invista em alguém que enxergue a vida do seu mesmo modo,
que tenha afinidades com seu jeito de ser.
Admitir um fracasso não é o fim do
mundo. É apenas a oportunidade que você se dá de estacionar seu carro numa vaga
mais fácil e que está logo ali em frente, disponível."